Cumplicidade e negligência do governo pioram coronavírus entre os Yanomami e Ye'kwana

19 novembro 2020

Indígenas Yanomami usam máscaras de proteção durant reunião do conselho distrital de saúde indígena Yanomami, março de 2020. © Pieter Van Eecke/Clin d’Oeil Films

Esta página foi criada em 2020 e talvez contenha linguagem obsoleta.

Um relatório inédito lançado esta semana expõe uma crise humanitária que está se desenvolvendo rapidamente no maior território indígena do Brasil, lar dos povos Yanomami e Ye’kwana.

“Xawara: rastros da Covid-19 na Terra Indígena Yanomami e a omissão do Estado” foi desenvolvido por organizações dos povos Yanomami e Ye’kwana e uma rede de pesquisadores da Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana.

O relatório afirma que “os povos Yanomami e Ye’kwana, imersos em uma combinação perigosa de garimpo, malária e Covid-19, estão entregues à própria sorte”.

Indígena Yanomami examina lâminas de sangue para malária, 2008. A invasão de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami tem causado um intenso fluxo de doenças. © Fiona Watson/Survival

O relatório revela também que a negligência e cumplicidade do governo na invasão e destruição em curso de grandes partes do território Yanomami por garimpeiros ilegais significa que o coronavírus está se espalhando rapidamente na região. Essa situação já está causando consequências devastadoras para os 27.000 indígenas Yanomami e Ye’kwana que vivem lá.

Uma linha do tempo detalhada cataloga muitos incidentes de negligência, de abuso, de subnotificação significativa de casos de Covid-19 (e, em algumas áreas, nenhuma notificação), do pequeno número de testes realizados e da falta de medicamentos essenciais e de equipe médica.

O relatório mostra que:
• mais de 10.000 Yanomami e Ye’kwana podem ter sido expostos ao vírus, mais de ⅓ da população;
• de agosto a outubro, o número de casos confirmados aumentaram de 335 para 1202;
• menos de 4,7% da população que vive no território foi testada;
• nas três regiões com a maior concentração de garimpos, o número de casos de coronavírus é grande e foi trazido pelos garimpeiros;
• vários grupos de indígenas isolados Yanomami correm grave risco caso haja algum encontro com invasores;
• de janeiro a setembro de 2020, houve um aumento de 20% na destruição ambiental causada pelo garimpo ilegal.

O relatório destaca que antes da pandemia se instalar na região, muitos Yanomami já estavam debilitados por doenças como a malária, cuja incidência quadruplicou nos últimos cinco anos. Isso os torna mais suscetíveis e menos preparados para combater o coronavírus.

Mais de 40 mil garimpeiros invadiram a Terra Indígena Yanomami em sete anos a partir de 1986, trazendo malária e outras doenças às quais os indígenas não tinham resistência. Quase 20% dos Yanomami morreram. Esta mulher foi um dos doentes levados de avião. © Charles Vincent/Survival

Os depoimentos dos Yanomami são uma forte denúncia da negligência do governo. Uma mulher Yanomami de Kanayau, uma das áreas mais afetadas pelo garimpo, disse: “Estamos todos adoecidos. Nossa floresta adoeceu. Assim ficou o rastro dos garimpeiros, porque muitos aviões pousam ali. Quando chega um avião, muita gente desce dele e como descem muitos aviões, hoje essa doença chegou! Tem doença forte!”

Francisco Yanomami, da região de Marauiá, alertou sobre a falta de testes: “Não era pra gente estar morrendo disso, por causa de doença forte né. […] Agora tá acontecendo, tá aumentando sintoma de Covid-19, tá aumentando. O que a gente pode fazer? Como a gente vamos saber se é realmente Covid-19? Como que a gente pode descobrir? Se é de Covid-19 que a gente tá morrendo? A gente tem que saber qual doença está nos matando.”

Xawara é a palavra Yanomami para epidemias e está associada a fumaça que emana das máquinas usadas pelos invasores, principalmente dos equipamentos de dragagem dos garimpeiros, de motores de aviões e barcos, e do vapor de mercúrio produzido quando o ouro é processado.

O líder e xamã Yanomami Davi Kopenawa explica: “O que chamamos de xawara são o sarampo, a gripe, a malária, a tuberculose e todas as doenças de brancos que nos matam para devorar nossa carne. Gente comum só conhece delas os eflúvios que as propagam. Porém nós, xamãs, vemos também nelas a imagem dos espíritos da epidemia, que chamamos de xawarari.”

Um dos eventos mais dramáticos foi o sumiço, por quase um mês, de três crianças que morreram com suspeita de Covid-19. Depois da pressão pública, descobriu-se que os bebês tinham sido enterrados em um cemitério da capital Boa Vista (RR) sem o conhecimento e consentimento dos pais.

O antropólogo Bruce Albert detalha no relatório o tormento e a dor das famílias Yanomami, que foram mantidas no escuro pelas autoridades sobre a morte de seus entes queridos e foi negada da possibilidade de organizar os adequados ritos funerários. Ele traça um paralelo entre a morte dos Yanomami por Covid-19 com o desaparecimento de manifestantes políticos durante a ditadura militar no Brasil: “De fato, apoderar-se dos mortos alheios para apagá-los da memória coletiva e negar o trabalho de luto dos seus familiares sempre foi a marca de um estágio supremo de barbárie alicerçado no desprezo e negação do Outro, étnico e/ou político.”

Os Yanomami estão entre os mais atingidos pelos ataques do presidente Bolsonaro aos povos indígenas. Em todo o país, as terras indígenas estão sendo roubadas para serem exploradas pela mineração, agronegócio e para a extração de madeira, e eles estão lutando para acabar com o genocídio indígena no Brasil.

Diante da negligência criminosa do governo, as organizações Yanomami e Ye’kwana estão pedindo que todos os invasores ilegais sejam removidos imediatamente, a implementação de um plano de ação emergencial da Covid-19 e um programa para erradicar a malária. Eles lançaram uma petição online pedindo às autoridades que ajam antes que seja tarde demais.

Leia o relatório completo aqui.

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