Até quando? Terra Indígena Piripkura aguarda demarcação há 40 anos
15 dezembro 2025
© Bruno Jorge2025 marca 40 anos desde o início do processo da demarcação da Terra Indígena Piripkura na Amazônia mato-grossense. Um dos processos de demarcação mais longos até hoje. Outro território em Mato Grosso, a Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, também aguarda há décadas para ser demarcado. Após anos de pouco avanço, as últimas homologações realizadas por Lula foram muito bem vindas, mas ainda não há movimentação no processo de demarcação dessas duas terras indígenas que estão aguardando por esse reconhecimento oficial há décadas.
Os indígenas isolados Piripkura e Kawahiva são sobreviventes de massacres que mataram quase todos seus parentes. O longo histórico de invasão e destruição desses territórios indígenas colocam a sobrevivência dos isolados em risco pois eles dependem completamente da sua floresta para sobreviver e prosperar.
Conforme mostrou o novo relatório global da Survival, existem pelo menos 196 grupos e povos indígenas isolados vivendo em 10 países ao redor do mundo. Esses povos são autossuficientes, resilientes e vivem de forma independente em suas florestas. Eles prosperam quando seus direitos são respeitados. Mas 96% de todos os povos e grupos isolados estão ameaçados por atividades de extração e exploração de recursos, como é o caso de indígenas isolados que vivem no estado do Mato Grosso.
Os Piripkura
A Terra Indígena Piripkura possui 230 mil hectares e está localizada entre os municípios de Colniza e Rondolândia, no estado do Mato Grosso. Eles são um povo nômade e falam uma língua que pertence ao tronco linguístico Kawahiva. Os Piripkura sofreram inúmeros massacres desde que o território passou a ser alvo de invasão e exploração econômica, a partir da década de 50.
Em 1984, Rita Piripkura, sobrevivente de massacres que mataram grande parte de sua família, foi resgatada pela Funai em uma fazenda local onde estava sendo explorada. Rita é a única indígena Piripkura em contato regular com pessoas de fora. Além dela, dois indígenas Piripkura vivem no território, e há ainda relatos de que outros indígenas também vivem nas partes mais densas da floresta.
Em 2017, Rita disse à Survival: “Tem muita gente andando aqui. Vão matar eles dois, se matar daí não tem mais”.
Em 2020, a Terra Indígena Piripkura foi mais desmatada do que qualquer outro território de povos indígenas isolados no Brasil. Imagens feitas durante um sobrevoo no território em 2021, revelaram que o território estava sendo ilegalmente invadido e destruído a um ritmo alarmante. Foram registradas fazendas consolidadas e outras ocupações dentro da terra indígena, além de ramais de transporte de gado e da madeira.
E apesar da queda da taxa de desmatamento em 2024, o território permanece sob ameaça, especialmente pela grilagem e pelo desmatamento, que persiste em parte devido à demora no processo de demarcação da terra indígena.
O processo de demarcação
Em 20 de setembro de 1985, a portaria número 1938 instituía o Grupo de Trabalho para desenvolver estudos e proceder com a identificação e delimitação da terra indígena. São 40 anos desde a publicação desta portaria, a primeira portaria de estudo da Terra Indígena Piripkura.
Ao longo dessas quatro décadas, houve pouco avanço no processo de demarcação do território. A primeira etapa deste longo processo, que é o estudo de identificação e delimitação o qual essa primeira portaria se refere, ainda não foi finalizada.
Hoje a terra indígena é protegida somente por uma portaria de restrição de uso. As restrições de uso são usadas para legalmente proteger territórios de povos indígenas isolados que ainda não tiveram seus processos de demarcação finalizados. Esse regulamento torna ilegal a entrada de invasores nesses territórios, assim como a exploração dessas terras por madeireiros, garimpeiros e outros. Apesar dessa restrição de uso, existem ocupações ilegais no território.
Recentemente, um juíz da Justiça Federal de Juína (MT), usando a lei do marco temporal, decidiu que os invasores ilegais do território podem permanecer lá “até a conclusão do respectivo procedimento demarcatório e a indenização pelas benfeitorias de boa-fé". Essa decisão representa uma grave violação aos direitos claramente expressos na constituição federal e na lei internacional que garantem a posse e o usufruto do território pelos indígenas isolados Piripkura. Permitir que os invasores permaneçam equivale a assinar uma sentença de morte para os isolados Piripkura e sua floresta.
Vizinhos: os indígenas isolados da TI Kawahiva do Rio Pardo
Perto dali, ainda em Mato Grosso, vive outro povo isolado que também aguarda a demarcação de seu território. Os indígenas isolados do TI Kawahiva do Rio Pardo, assim como os Piripkura, dependem totalmente da sua floresta. Eles pescam e caçam animais para se alimentarem, incluindo porcos selvagens, macacos e pássaros. Eles constroem abrigos, conhecidos como “tapiris”, enquanto se deslocam de uma parte da floresta para outra. Também colhem frutas e nozes, e constroem complexas escadas em árvores para coletar mel.
Durante décadas, muitos indígenas Kawahiva foram mortos por madeireiros e fazendeiros, e outros morreram em decorrência de doenças trazidas pelos invasores. Aqueles que sobreviveram a esses ataques são os últimos indígenas isolados de Kawahiva do Rio Pardo.
O território Kawahiva está cercado por destruição. Duas reservas extrativistas com altos níveis de desmatamento e apropriação de terras cercam a terra indígena. Há relatos de inúmeros crimes ambientais sendo cometidos em ambas Resex, como a extração ilegal de madeira e a grilagem de terras.
Embora a FUNAI tenha confirmado a existência dos Kawahiva há 26 anos, o reconhecimento de seus direitos à terra tem se arrastado, atolado em burocracia e desafios legais. Em 2016, após muita pressão de organizações indígenas e de aliados como a Survival, o Ministério da Justiça publicou a portaria declaratória, importante etapa no processo demarcatório que estabelece os limites do território e declara a área como uma terra indígena. Porém, desde então, o processo se encontra parado, apesar das promessas de finalização da demarcação.
No ano passado, o ministro Edson Fachin do STF reconheceu o “risco de genocídio” dos isolados Kawahiva e estabeleceu a conclusão da demarcação física da TI Kawahiva do Rio Pardo. Além dessa decisão do STF, em três ações civis públicas do MPF no MT - de 2005, 2010 e de 2019 - o judiciário já havia determinado a demarcação e a proteção da terra, decisões até hoje não cumpridas.
Durante um evento público no início deste ano, a FUNAI garantiu que a demarcação física, a próxima etapa do processo de demarcação desse território, seria realizada ainda este ano. Porém, no início deste mês, a FUNAI informou que a demarcação física só sairá no próximo ano, quebrando assim a promessa de demarcação e violando o cronograma de conclusão apresentado ao Supremo Tribunal Federal em 2024.
Até quando?
Esses dois casos são exemplos sombrios da morosidade do processo de demarcação que afeta territórios de povos indígenas isolados no Mato Grosso. São 40 anos de espera para Piripkura e 26 anos para Kawahiva do Rio Pardo! Isso é um escândalo! Os povos indígenas isolados dependem inteiramente de sua floresta para sua subsistência e bem-estar. A demora na demarcação não é apenas ilegal, é também extremamente perigosa e coloca em risco a vida dos indígenas isolados.
No contexto político atual de grande ofensiva contra os direitos dos povos indígenas, finalizar as demarcações é fundamental para garantir a segurança jurídica e a proteção permanente dos territórios. Até quando os indígenas isolados Piripkura e Kawahiva terão que esperar para ter seu direito à terra reconhecido?



