Novo relatório revela atrocidades cometidas contra indígenas Batwa na República Democrática do Congo

7 abril 2022

Um homem Batwa foi morto por guardas florestais em um dos casos de violência descritos no relatório. © Survival

Um parque nacional famoso por suas trilhas para avistamento de gorilas tem sido palco de atrocidades terríveis, incluindo estupro coletivo, tortura e assassinato, de acordo com um novo relatório devastador do Minority Rights Group International.

Nos últimos anos, os guardas que patrulham o Parque Nacional Kahuzi-Biega, na República Democrática do Congo, juntamente com militares congoleses, cometeram uma série de atrocidades contra o povo indígena Batwa:

- Dezenas de mulheres foram estupradas sob a mira de uma arma
- Pelo menos 20 indígenas foram mortos
- Vários indígenas, incluindo crianças, foram queimados vivos
- Cadáveres foram mutilados
- Centenas de indígenas foram despejados, muitas vezes repetidamente, em sucessivas ondas de ataques

Milhares de indígenas Batwa foram despejados quando o parque foi ampliado em 1975. Desde então, a maioria vive fora dele, em condições de pobreza absoluta, mas alguns tentaram retornar às suas terras ancestrais dentro do parque.

Soldados e guardas florestais do Parque Nacional Kahuzi-Biega queimaram casas de indígenas Batwa para expulsá-los do parque – sua terra ancestral. © KBNP

Os abusos detalhados no relatório fazem parte de um padrão claro de violência que ocorre em projetos de conservação ambiental que foi revelado pela Survival e outros nos últimos anos.

O relatório revela ainda que agências de financiamento europeias e americanas e a WCS (Wildlife Conservation Society) parecem ter violado um embargo de armas da ONU ao apoiar as atividades paramilitares no parque sem notificar o Conselho de Segurança da ONU. Além disso, eles sabiam dos abusos, mas continuaram a financiar os responsáveis. Os autores do relatório afirmam: “[Os] apoiadores internacionais … são cúmplices desses abusos”.

Entre os principais financiadores do parque e seus guardas estão:

- O governo alemão, por meio de suas agências de desenvolvimento KFW e GIZ
- A organização sem fins lucrativos WCS dos Estados Unidos
- A agência de desenvolvimento do governo USAID dos Estados Unidos
- A agência francesa de desenvolvimento AFD também planeja destinar recursos para o parque

Segundo o relatório: “É improvável que a violência organizada documentada neste relatório tenha ocorrido sem o apoio decisivo de apoiadores internacionais [do parque]”.

O relatório deixa claro que esses abusos não são incidentes isolados conduzidos por alguns guardas desonestos, mas “parte de uma política institucional sancionada e planejada no mais alto escalão da administração do parque”.

Em 2017, o indígena Batwa, Mbone Christian, de dezessete anos, foi morto a tiros enquanto coletava plantas medicinais no parque. Seu pai, que também foi ferido, mas sobreviveu, fez um apelo desesperado à WCS dizendo: “Lutamos para encontrar o suficiente para comer e somos forçados a lidar com novas doenças e a perda de muitos remédios florestais… e ainda assim ninguém veio pedir nosso consentimento para a criação do Parque Nacional Kahuzi-Biega. Por que então a WCS continua a financiá-lo e apoiá-lo?”

Caroline Pearce, diretora da Survival International, disse hoje: “Este relatório fornece uma horrível demonstração de como alguns dos maiores atores do setor de conservação ambiental continuam a destinar milhões de dólares em modelos racistas e violentos de conservação ambiental. Sob o pretexto de fazer o ‘bem’ para o planeta, eles estão financiando mais um parque onde indígenas estão sendo estuprados e mortos impunemente.”

“Os governos alemão e americano e a WCS fecharam os olhos para essas atrocidades, continuando a financiar o parque enquanto seus guardas mataram e estupraram dezenas de indígenas Batwa.”

“Um modelo racista e colonial de conservação ambiental que vê os seres humanos e seus direitos como descartáveis nunca terá sucesso em seus objetivos. Apoiadores governamentais e não governamentais devem cessar imediatamente todo o financiamento para esses projetos – incluindo o plano de transformar 30% da terra em “Áreas Protegidas” até 2030 – e, em vez disso, reconhecer os direitos indígenas à terra, que é uma maneira muito mais eficaz de proteger o meio ambiente. Caso contrário, eles continuarão a ser cúmplices de tais atrocidades.”

O papel do financiamento alemão no Parque Nacional Kahuzi-Biega e em outros projetos internacionais de conservação ambiental na África será um dos principais assuntos de uma conferência que acontecerá em Berlim no final deste mês. “Não há biodiversidade sem diversidade humana” é gratuita para assistir presencialmente e online.

Notas para o editor:

- Na conferência “Não há biodiversidade sem a diversidade humana” em 28 de abril de 2022 em Berlim, o Minority Rights Group também abordará esta pesquisa. A inscrição é possível aqui.

- As graves violações dos direitos humanos no Parque Nacional Kahuzi-Biega não são um fenômeno novo, mas têm sua origem no estabelecimento e expansão do parque nacional nos anos 70, quando os indígenas foram expulsos de suas terras ancestrais. Em 2018, após décadas de promessas não cumpridas em relação ao despejo e possível compensação, grupos individuais de Batwa foram reassentados em suas terras ancestrais dentro do parque.

- Especialistas enfatizam que a situação no Parque Nacional Kahuzi-Biega não é um caso isolado, mas um exemplo da conservação ambiental militarizada, que é generalizada na África e na Ásia, e que ameaça tanto o patrimônio natural quanto os povos indígenas.

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