Líder indígena alerta que Covid-19 pode alcançar povo isolado

2 setembro 2020

Aldeia de indígenas isolados no Vale do Javari, 2011. © Peetsa/FUNAI/CGIIRC Archive

Esta página foi criada em 2020 e talvez contenha linguagem obsoleta.

O líder indígena Kura, do povo Kanamari, fez um alerta urgente: o coronavírus pode infectar um povo indígena isolado conhecido como “Flecheiros”, com consequências fatais.

Ele afirma que o coronavírus se espalhou pelo Vale do Javari, o segundo maior território indígena do Brasil e onde se concentra o maior número de povos indígenas isolados do mundo.

Pelo menos um indígena morreu de Covid-19 na comunidade Hobana, que fica nas profundezas do Vale do Javari, e a cerca de 15 quilômetros de uma comunidade isolada do povo Flecheiro.

Em uma mensagem de vídeo para Survival, Kura disse: “Nos preocupa muito a vida dos nossos parentes isolados” e que o vírus se espalhou “pela irresponsabilidade do Estado brasileiro” e “falta transparência”.

Ele pede que as autoridades instalem barreiras sanitárias no Vale do Javari para controlar quem entra e sai, para impedir a disseminação do coronavírus e para monitorar o território a fim de evitar invasões de madeireiros, garimpeiros e caçadores.

Um caso de Covid-19 foi confirmado em uma aldeia Marubo no rio Ituí, no coração do Vale do Javari, próxima a outra comunidade de indígenas isolados. Essa confirmação traz grande preocupação de que este grupo também esteja sob alto risco de contrair o coronavírus.

Um casal Tsohom-dyapa e seu bebê recém contatados, Vale do Javari no Brasil, Amazonas. A foto foi tirada no hospital indígena onde estavam para tratamento médico. © Fiona Watson/Survival

Os indígenas isolados são extremamente vulneráveis a doenças transmitidas por estranhos, como gripe, tuberculose e sarampo, porque não desenvolveram imunidade a elas. No passado, muitos povos sofreram catastróficas perdas e alguns foram aniquilados devido à epidemias letais introduzidas por invasores.

No dia 5 de agosto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que o governo deve apresentar, em 30 dias, um plano detalhado e abrangente para enfrentar a pandemia e evitar o avanço da Covid-19 nas comunidades indígenas. A decisão reconheceu a grande vulnerabilidade dos povos indígenas isolados e de recente contato e ordenou que o governo instale barreiras sanitárias nos territórios onde esses povos vivem.

A decisão também ordenou que as autoridades retirem todos os invasores ilegais dos territórios indígenas, mas sem definir prazo para isso. O caso foi levado ao Supremo Tribunal pela APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – e por seis partidos políticos.

Ricardo Lopes Dias, o polêmico coordenador evangélico do departamento de indígenas isolados da FUNAI, continua no cargo. Em maio, o desembargador Antônio Souza Prudente anulou a nomeação de Lopes Dias afirmando que: “a nomeação (…) representa alto grau de risco à política consolidada de não contato com as populações e o respeito ao isolamento voluntário desses povos, em flagrante violação ao princípio da autodeterminação dos povos indígenas”.

No entanto, a FUNAI contestou a decisão e, em junho, um tribunal decidiu que não havia conflito de interesses. Os promotores públicos apelaram, e o caso deve ser ouvido pelo Superior Tribunal de Justiça.

Enquanto isso, Ricardo Lopes Dias exonerou experientes funcionários
que trabalhavam na proteção dos povos indígenas isolados e de seus territórios, e anunciou um curso interno de antropologia para novos funcionários.

O missionário evangélico Ricardo Lopes Dias foi afastado do cargo de Coordenador Geral do departamento de Índios Isolados e de Recente Contato – pela segunda vez. © Ricardo Lopes Dias

O curso será ministrado por alguns professores ligados a organizações religiosas, como a organização evangélica Atini – que tem com uma de suas fundadoras a ministra Damares Alves. A ministra é a controversa pastora evangélica que Jair Bolsonaro nomeou para o ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Ela já expôs seu desejo de forçar o contato com povos indígenas isolados – um claro desrespeito à política da FUNAI de não fazer contato.

O governo cortou os orçamentos da FUNAI e SESAI (a Secretaria Especial de Saúde Indígena) e tem sido negligente nas ações de proteção aos povos indígenas durante a pandemia. Isso obrigou muitas comunidades a adotarem medidas próprias para se protegerem do coronavírus, como a arrecadação de recursos para a compra de medicamentos e equipamentos.

Ao mesmo tempo, a FUNAI planeja gastar R$ 236.000 no novo curso, o suficiente para custear a criação de um novo posto de proteção para indígenas isolados. Caso a despesa do curso seja aprovada, Ricardo Lopes Dias se beneficiaria pessoalmente recebendo R$ 77.700 para coordenar o curso.

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