Adeus a Damiana Cavanha: guerreira Guarani Kaiowá e líder espiritual

© Paul Patrick Borhaug/Survival

Vida de Damiana Cavanha foi grande exemplo da obstinada luta Guarani Kaiowá por suas terras e da urgência de #DemarcaçãoJá.

Damiana Cavanha, uma figura inspiradora para todos nós que tivemos a sorte de conhecê-la, faleceu no dia 7 de novembro. Ela era a liderança do tekohá (terra ancestral) Apy Ka’y, do povo indígena Guarani Kaiowá, localizada no que hoje é o estado do Mato Grosso do Sul. A causa de sua morte ainda não foi totalmente esclarecida.

A vida de Damiana foi marcada por tragédias e amargas lutas - porém ela nunca desistiu da reivindicação de sua terra. Ela permaneceu firmemente enraizada em Apy Ka’y, sempre próxima a sua comunidade e aos túmulos de seus ancestrais. Mesmo assim, a sua coragem e tenacidade tornaram-se conhecidas em todo o país e também por milhares  de apoiadores da Survival ao redor do mundo.

No início da década de 1990, Damiana e seu povo foram expulsos de Apy Ka'y sob a mira armas quando a terra indígena foi ocupada por empresas do agronegócio para dar lugar a vastas plantações de cana-de-açúcar. Damiana contou: "Perdemos tudo e fomos obrigados a viver na beira da estrada, onde não podíamos cultivar nada. Tivemos que mendigar."

Durante anos, Damiana e sua família ficaram confinados a uma pequena faixa de terra ao lado de uma movimentada estrada, com enormes caminhões passando constantemente. O marido de Damiana, Hilário, e três de seus filhos, Agnaldo, Sidnei e Wagner, morreram atropelados em acidentes na estrada. Do outro lado da rodovia, em frente ao acampamento de Damiana e sua família, uma cerca de arame farpado os impedia de entrar nas terras que lhes foram roubadas, e pistoleiros faziam patrulhas regulares para intimidar os indígenas.

A única fonte de água potável da comunidade era (e ainda é) um pequeno riacho, poluído pelo escoamento de pesticidas das plantações de cana-de-açúcar. Uma mulher morreu por suspeita de envenenamento. 

Pelo menos três membros da comunidade de Apy Ka'y cometeram suicídio devido às constantes ameaças e assédio dos fazendeiros, às condições terríveis em que eram forçados a viver e à falta de avanço na demarcação de sua terra.

© L. Valverdes/Sunday Times

Mesmo perdendo tantos membros de sua família e comunidade, Damiana nunca desistiu. Ela desafiou pistoleiros, fazendeiros e políticos, mesmo sob grande risco pessoal, para liderar várias retomadas (reocupações de terras indígenas). Todas foram brutalmente reprimidas: pistoleiros repetidamente expulsaram os Guarani Kaiowá, atirando neles, queimando suas casas e destruindo seus pertences.

Durante um despejo organizado por fazendeiros, um bebê Guarani Kaiowá de 7 meses morreu de frio e desnutrição, enquanto pistoleiros patrulhavam o acampamento 24 horas por dia, ameaçando Damiana e sua família. Damiana declarou: "Eu nunca vou sair daqui. Vou morrer em nossa terra ancestral. Não vou fugir. Sou uma mulher, uma guerreira e não tenho medo".

Após uma retomada em agosto de 2013, os abrigos da comunidade foram queimados e todos os seus pertences destruídos. Damiana estava mais desafiadora do que nunca: "Dizemos a todos que decidimos resistir aqui, na beira do rio e da floresta, em nossa terra retomada."

© Fiona Watson/Survival

Os Guarani Kaiowá perderam uma de suas mais fortes lideranças, e nós da Survival perdemos uma querida amiga e enorme fonte de inspiração. Tragicamente, Damiana não viveu para ver sua comunidade de volta à sua terra, nem para ver o processo de demarcação avançar. Na verdade, sua partida ocorre em um momento emblemático.

Políticos anti-indígenas locais continuam a empoderar fazendeiros e pistoleiros a perseguir e intimidar lideranças Guarani Kaiowá. Políticos anti-indígenas nacionais tentam aprovar leis como o genocida PL2903, que, entre diversas ameaças aos direitos indígenas, poderia para sempre impedir a demarcação de terras indígenas como Apy Ka’y.

Enquanto isso, indígenas Guarani Kaiowá vivem na pele as consequências desse genocídio: enfrentam violência diária e enterram familiares que morreram ainda sonhando com a demarcação de suas terras.

Mas o espírito de luta de Damiana continuará para sempre vivo na luta de sua comunidade, no movimento indígena brasileiro e no trabalho da Survival no Brasil e ao redor do mundo.

Damiana, PRESENTE!

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