Terra Indígena aguarda demarcação há 24 anos enquanto Kawahiva isolados correm perigo
9 outubro 2023
Dez anos depois da FUNAI publicar um vídeo mostrando indígenas isolados Kawahiva caminhando por sua floresta, a demarcação desse território ainda não foi concluída. Enquanto isso, madeireiros ilegais e grileiros circundam a terra indígena, tornando os Kawahiva um dos povos mais vulneráveis do planeta.
A existência do povo indígena Kawahiva no norte do estado do Mato Grosso foi comprovada oficialmente pela FUNAI em 1999, após inúmeros relatos que já davam conta da existência do grupo na região. Mesmo assim, até hoje o processo de demarcação do território ainda não foi finalizado. São 24 anos aguardando a proteção legal da terra.
Em 2016, em parceria com povos indígenas, a campanha global da Survival para pressionar as autoridades a demarcar o território conseguiu um importante passo: a Portaria declaratória da Terra Indígena Kawahiva foi publicada pelo Ministério da Justiça. O documento estabelece os limites do território e determina sua demarcação.
Outra importante conquista foi alcançada em 2018: uma decisão judicial ordenou que fazendeiros ilegais fossem removidos do território, o que ocorreu com sucesso via operações de desintrusão.
Porém, desde então o processo de demarcação parou e madeireiros e grileiros estão destruindo os arredores e cercando a terra indígena cada vez mais. Até mesmo uma estrada ilegal passa a apenas 2km do território.
A equipe da FUNAI que atua na região tem trabalhado para manter a terra livre de madeireiros e grileiros, apesar dos perigos – a base de proteção já foi atacada diversas vezes.
Massacres e doenças já dizimaram grande parte do povo indígena isolado Kawahiva e a única chance de sobrevivência do restante do povo é ter sua terra demarcada.
Duas decisões judiciais estabeleceram importantes prazos para a finalização da demarcação: em 2013 a 2ª Vara da Justiça Federal de Mato Grosso determinou que o processo fosse concluído – o que não ocorreu. Em agosto deste ano, o Supremo Tribunal Federal deu à FUNAI um prazo de 60 dias para estabelecer um cronograma definitivo para a completa demarcação do território.
Eliane Xunakalo, a presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (Fepoimt), disse hoje:
“É extremamente importante a retomada da demarcação do território dos nossos parentes isolados. O Kawahiva do Rio Pardo é um território cobiçado pelos não-indígenas, extremamente violento para os servidores da FUNAI que trabalham na frente de proteção e nós só vamos ter a garantia de existência dos nossos parentes isolados se o território for demarcado.”
“Cabe a nós proteger os nossos parentes, proteger o seu modo de vida, porque eles são a resistência e a resiliência no meio de todas essas ameaças e desafios existentes aqui no Mato Grosso. Nós estamos falando de um estado extremamente conservador, de um governo local anti-indígena. É muito necessária a retomada dessa demarcação, é necessário políticas que visem a proteção dos nossos parentes.”
A coordenadora da Survival Brasil, Sarah Shenker, disse hoje: “Este é um dos casos mais críticos entre os povos indígenas isolados do Brasil. Os Kawahiva são sobreviventes de inúmeros ataques genocidas que mataram muitos deles; o processo de demarcação está parado, e invasores veem o território como uma terra a ser explorada economicamente. Sabemos que eles têm invadido a floresta dos Kawahiva, e qualquer encontro entre eles pode significar a morte para os indígenas isolados. As autoridades devem agir imediatamente para finalizar de uma vez por todas a demarcação da Terra Indígena Kawahiva para que os Kawahiva possam sobreviver, prosperar e continuar sendo os melhores guardiões de sua floresta única."
Informações Extras via COIAB
Região de conflito
De acordo com informações da Gerência de Povos Isolados e de Recente Contato da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), os Kawahiva fazem parte de um conjunto de povos e línguas indígenas de um ramo Tupi.
São povos que habitam o sul do Amazonas, norte do Mato Grosso, Rondônia e parte do Acre. Alguns estão na Bolívia também. Trata-se de um grupo grande, com características em comum. O que os une é, justamente, semelhanças linguísticas e culturais.
Entre os povos que compõem o grupo, estão: os Tupari, os próprios Kawahiva, os Piripkura, os Cinta Larga, os Jiahui e os Parintintim. Vários povos de língua Tupi desta região também são pertencentes a este grupo maior.
A região que habitam é onde ocorre a expansão da fronteira agrícola atual nos estados do Amazonas, Acre, Mato Grosso e Rondônia.
A distribuição dos Kawahiva coincide, portanto, com a expansão da agricultura predatória, da pastagem, da monocultura de soja e outros modelos semelhantes, danosos aos territórios indígenas.
O agronegócio predatório cerca os povos desta região. Paralelo a este cenário, os grupos Kawahiva sobreviveram a vários massacres. É o caso dos Piripkura, dos Juma e dos Kawahiva do Rio Pardo.
Demarcação interrompida
O processo de demarcação e regularização fundiária do território dos Kawahiva, assim como de outras terras indígenas (TIs), está paralisado por pressão política. A bancada ruralista, financiada pelo agronegócio, não tem interesse em dar continuidade à garantia de um direito originário. Por isso, Câmara e Senado aprovaram o Projeto de Lei 2903, que regulamenta o Marco Temporal. Estes políticos são os mesmos que invadem TIs.
A Coiab reitera que a terra Kawahiva do Rio Pardo precisa ser protegida. Infelizmente existe um esforço por parte da classe política em negar a existência desse povo isolado.
Em vez de ajudar a proteger, estes políticos contribuem mais com o desequilíbrio e com as mudanças climáticas. Demarcar e regularizar a situação fundiária dessa região é importantíssimo para preservação deste povo isolado.