Mercado internacional de créditos de carbono é uma grande ameaça às terras e aos direitos indígenas

6 dezembro 2023

Como a Survival revelou em março, o “Projeto de Carbono na Savana do Norte do Quênia”, administrado pela Northern Rangelands Trust (NRT) na terra do povo indígena Borana, apresenta grandes falhas e graves violações dos direitos humanos. © Beckwith & Fisher © Beckwith & Fisher

Enquanto a COP28 está preparando o caminho para uma expansão massiva do mercado de créditos de carbono, especialistas alertam que isso representa uma grande ameaça às terras e aos direitos indígenas ao redor do mundo.

Para a Survival, o movimento global pelos direitos dos povos indígenas, a COP28 pode ser apelidada como a 'COP do Carbono de Sangue’, quando governos, empresas, corporações e grandes organizações de conservação ambiental se unem para impulsionar o mercado de créditos de carbono, ao invés de focar em enfrentar as reais causas da crise climática.

Isso poderia ter consequências desastrosas para os povos indígenas. Os créditos de carbono são uma nova forma de governos, corporações e grandes organizações de conservação ambiental lucrarem através do roubo e controle de terras indígenas. Isso já acontece com vários povos indígenas, principalmente em países da África e da Ásia. Mas, recentemente, casos semelhantes também estão ocorrendo na América Latina.

São várias denúncias contra projetos de créditos de carbono no Brasil. Ninawa Huni Kui, do povo Huni Kui (AC), comenta neste vídeo por que esse programa é uma mentira e explica que esses projetos são uma maneira de mercantilizar a natureza. Nesta outra denúncia, Alessandra Munduruku, do povo Munduruku (AM,PA), condena e exige o fim de soluções falsas e perigosas dadas por governos e empresas enquanto continuam a poluir o planeta.

Recentemente, uma reportagem expôs como organizações estadunidenses estão gerando tensão na Terra Indígena Alto Turiaçu (MA) ao discutir a implementação de um projeto de crédito de carbono no território. A possível implementação está levando grande preocupação aos indígenas do povo Ka’apor que temem mudanças na relação milenar que possuem com sua própria terra.

Além das diversas falhas e problemas - que vão desde o despejo de indígenas de suas terras até a restrição de atividades que permeiam o modo de vida desses povos - que projetos como esses podem levar a diferentes povos indígenas, o processo de certificação dos créditos de carbono também está irreparavelmente comprometido. Como a Survival revelou em março, por exemplo, o “Projeto de Carbono na Savana do Norte do Quênia”, administrado pela Northern Rangelands Trust (NRT) na terra do povo indígena Borana, apresenta grandes falhas e graves violações dos direitos humanos. Esse projeto é usado por empresas como a Netflix e Meta para “compensar” suas emissões de carbono.

Esse projeto é tão falho que não só não obteve o consentimento prévio, livre e informado das comunidades indígenas afetadas, como também não armazena carbono adicional, o que, em teoria, seria o objetivo principal do projeto.

E ainda, uma auditoria feita pela empresa Verra - a mesma empresa que lucra com projetos como esse - concluiu que a NRT pode continuar vendendo créditos de carbono. Nenhuma das falhas apontadas pela Survival foi analisada.

Apesar da Verra, a maior empresa de certificação de créditos no mercado de carbono voluntário, agora ser vista como fundamentalmente corrompida, negociadores da COP28 estão se movimentando para estabelecer um novo comércio global de carbono sob a alçada da ONU, que envolve o mesmo mercado voluntário.

Mas todo o sistema está completamente corrompido:
-Grandes organizações de conservação ambiental já estão na espreita, aguardando para ganhar milhões de dólares de terras indígenas roubadas e transformadas em “Áreas Protegidas”;
-A expansão desse mercado sem a devida regulamentação já está impulsionando a criação de novas “Áreas Protegidas” e de projetos de créditos de carbono em terras indígenas roubadas.
-Isso está destruindo terras e impactando as vidas de povos indígenas: os melhores guardiões da natureza. Seus direitos territoriais devem ser respeitados para que possam sobreviver e viver da forma que escolherem, e a sua centralidade no combate a crise climática deve ser reconhecida.

Leia o manifesto completo da Survival sobre a COP28 aqui (em inglês).

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