Novo relatório revela abusos de direitos humanos em reservas de vida selvagem no Quênia

24 novembro 2021

Pessoas da comunidade local entoando “Hatutaki NRT” – “Não queremos NRT aqui.” © Pastoralist Media Initiative

De acordo com um novo relatório do Oakland Institute, organização dos Estados Unidos, “reservas” de vida selvagem no Quênia, cujos visitantes incluem membros da realeza britânica, estão envolvidas no despejo, tortura e assassinato de indígenas. Por 10 anos, a Survival tem alertado sobre abusos desse tipo em projetos de conservação ambiental no Quênia.

O novo relatório investiga a organização Northern Rangelands Trust (NRT), que possui 39 “unidades de conservação comunitárias” cobrindo 42.000 km² de terra – quase 8% do território do Quênia. Estas costumavam ser áreas de pastagem de comunidades indígenas, mas foram transformadas em “áreas de conservação ambiental”, controladas pela NRT. Os indígenas foram violentamente excluídos dessas áreas que agora recebem financiamento maciço do mercado de carbono, concessões de países doadores e de luxuosos acampamentos e alojamentos de safári.

A NRT foi uma iniciativa de Ian Craig, cuja família possuía uma fazenda de gado de 62.000 acres, que foi transformada na Lewa Wildlife Conservancy. Lewa foi onde o Príncipe William e Kate Middleton noivaram. Craig continua sendo o “Chefe de Conservação Ambiental e Desenvolvimento” da NRT.

Os parceiros da NRT – uma amostra dos maiores promotores e financiadores do modelo colonial e racista de “conservação ambiental”.
© NRT website

No relatório, “Jogo Clandestino: unidades de conservação comunitárias devastam terras e vidas no norte do Quênia”, os pesquisadores detalham revelações chocantes sobre a operação nessas “unidades de conservação ambiental”, incluindo:

- o despejo de indígenas e outros povos locais de suas terras;
- múltiplas alegações de abuso e tortura, incluindo execuções extrajudiciais e desaparecimentos;
- o uso de forças de segurança militarizadas, algumas treinadas por uma empresa dirigida pelo filho de Ian Craig;
- a aquisição massiva de terras por indivíduos ricos, expulsando moradores locais de suas terras;
- intimidação, incluindo detenções e interrogatórios de membros e líderes da comunidade local.

As terras agora ocupadas por áreas de “conservação ambiental” são pastagens ancestrais de povos indígenas como os Samburu e Maasai, que administram essas terras desde tempos imemoriais.

Muitas das áreas de conservação ambiental, incluindo particulares como Ol Jogi (propriedade da família bilionária Wildenstein) agora hospedam luxuosos acampamentos de safári. A hospedagem em Ol Jogi custa 210 mil dólares por semana; outro, o Sarara Lodge, é descrito por um de seus operadores turísticos como “uma missão de salvação, não apenas para a vida selvagem e pastagens, mas também para o povo Samburu”.

O site Ol Jogi, como muitos empreendimentos de turismo em áreas de conservação ambiental, vende uma imagem de “parque de diversões” para ocidentais ricos, quase desprovido de presença africana. © Ol Jogi website

O relatório também revela que a NRT recebe milhões de dólares em subsídios de governos – da União Européia, de agências governamentais dos EUA, da Agência de Desenvolvimento Internacional da Dinamarca, da Agência de Desenvolvimento Francês (AFD) entre outros – bem como amplo financiamento de grandes ONGs de conservação ambiental como The Nature Conservancy, Conservation International, WWF, Fauna & Flora International, March to the Top, Space for Giants, Save the Elephants, Rhino Ark, Tusk e International Elephant Foundation.

A coordenadora da campanha da Survival pela descolonização da conservação ambiental, Fiore Longo, disse hoje: "Assustadoramente, a NRT está cada vez mais próxima dos duvidosos mercados de carbono como outra fonte de renda, e isso está sendo apresentado como um modelo pela UE em seu novo projeto NaturAfrica, apesar das abundantes evidências de abusos de direitos humanos.”

O ecologista queniano e especialista em conservação ambiental, Dr. Mordecai Ogada, disse hoje: “A NRT é uma ideia que começou pequena (e talvez com boas intenções), mas agora se tornou uma enorme bolha financeira e socialmente insustentável, ocupando o norte do Quênia com poder quase governamental. Por meio da manipulação de estruturas culturais, eles encurralaram as comunidades em seu modelo inventado de “conservação” e mantem os doadores em sua rede financeira bizantina. Quanto mais tempo esta estrutura persistir, maior será sua inevitável queda.”

A diretora da Survival International, Caroline Pearce, disse hoje: "Há muito tempo, as ‘reservas’ do Quênia cultivam uma imagem de luxo em harmonia com a natureza, de paisagens africanas intocadas e habitantes locais felizes, muitas vezes retratados em trajes pitorescos. Mas – como a Survival tem alertado há muitos anos e os pesquisadores do Oakland Institute agora demonstraram claramente – isso é simplesmente uma fachada para a exploração e o abuso de poder às custas dos indígenas e outros povos locais.”

“A Survival recolheu testemunhos de todo o mundo, detalhando como este modelo colonial de conservação ambiental leva os povos indígenas a serem expulsos de suas próprias terras e a serem abusados e aterrorizados por aqueles que os despojam. Este é mais um exemplo de por que as principais práticas de conservação devem ser transformadas em um nível estrutural, e por que deve ter fim a tolerância com abusos terríveis mascarados de “conservação” amigável. A NRT deve ser responsabilizada.”

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