A colonização alemã no sul do Brasil e o marco temporal

7 maio 2021

Indígenas Xokleng no posto do Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Data desconhecida. © Acervo Museu Paranaense

Entre os séculos 19 e 20, indígenas Xokleng da Terra Indígena Ibirama La Klãnõ foram violentamente expulsos de seu território para dar espaço à ocupação alemã em Santa Catarina. Esse território é agora foco de um processo judicial no Supremo Tribunal Federal que pode definir o futuro das demarcações de terras indígenas em todo o Brasil ao julgar a tese do marco temporal.

O governo imperial no Brasil passou a incentivar, especialmente a partir 1850, a imigração europeia para ocupar terras no sul do país. Muitas dessas áreas eram terras indígenas, o que levou grande parte dos Xokleng e de outros povos indígenas a serem violentamente expulsos de seus territórios. Para abrir espaço à ocupação europeia, o governo financiou os chamados bugreiros, (grupos armados especializados no extermínio de povos indígenas), acelerando o processo de roubo colonial de terras.

A ocupação da Terra Indígena Ibirama La Klãnõ foi marcada por intensos conflitos envolvendo os indígenas Xokleng recém contatados, os bugreiros e os imigrantes alemães. Os imigrantes não aceitavam as tentativas dos Xokleng de defender suas terras e por isso frequentemente os sujeitavam a cruéis punições.

“Os bugres [termo pejorativo para descrever indígenas] atrapalham a colonização: essa desordem deve ser eliminada o mais rapidamente possível” – trecho do livro alemão “Urwaldsbote Blumenau” mostrando o que os imigrantes alemães exigiam na época.

Após anos de luta e intensos conflitos na região, a Terra Indígena Ibirama La Klãnõ foi demarcada em 1956, mas com uma área muito menor do que a originalmente acordada com o governo. Na década de 70, uma barragem foi construída no território, trazendo ainda mais dificuldades para os Xokleng.

Localização da Terra Indígena Ibirama La klãnõ, Santa Catarina, Brasil. Na figura à direita, a área em amarelo corresponde à atual área da TI e a área marrom (acima) corresponde à área pleiteada para ampliação dos limites da TI. © Takumã Machado Scarponi Cruz

No entanto, nos anos 2000, a demarcação do território foi suspensa após uma ação movida por ocupantes não-indígenas e uma empresa madeireira que opera na região. Eles argumentam que em 5 de outubro de 1988 – data da assinatura da Constituição Federal – os Xokleng viviam apenas em partes limitadas do território e, portanto, não teriam direito à uma parte maior de seu território original. Esse argumento é chamado de marco temporal.

O caso chegou ao STF, que decidiu que esse caso será de “repercussão geral”, ou seja, a decisão desse processo abrirá um precedente para outros casos semelhantes. A mais alta corte do Brasil, deverá então julgar a validade do marco temporal e definir o futuro dessa e de outras demarcações de terras indígenas em todo o país.

Se vencerem o processo, os Xokleng poderão retornar a uma parte maior de seu território ancestral. Se o STF votar a favor do marco temporal, isso traria consequências devastadoras para muitos outros povos indígenas, limitando enormemente as chances de recuperar seus territórios ancestrais. Isso iria legitimar o roubo de terras de centenas de milhares de indígenas em todo o país, inclusive de dezenas de indígenas isolados. A validade de territórios indígenas já demarcados também poderia ser questionada.

Brasílio Priprá, liderança Xokleng, afirmou: “Se não estávamos numa determinada área do território em 1988, não significa que era terra de ninguém ou que não estávamos lá porque não queríamos. O marco temporal reforça uma violência histórica, que até hoje deixa marcas”

Outras comunidades Xokleng também estão lutando para recuperar parte de seu território. Os Xokleng Konglui lançaram uma retomada na Floresta Nacional de São Francisco de Paula (RS), local que o governo agora pretende privatizar para ganhar dinheiro com “ecoturismo”. © Iami Gerbase/Survival

Organizações indígenas e seus aliados, incluindo a Survival, começaram a ativamente criticar o marco temporal em 2017, considerando-o ilegal por violar a Constituição Federal e a lei internacional, que afirmam claramente que os povos indígenas têm direito às suas terras ancestrais.

Com seu discurso racista e ações anti-indígenas, o presidente Bolsonaro está tentando acabar com os direitos indígenas, negando seu direito à autodeterminação e tentando abrir seus territórios à exploração madeireira, ao garimpo e à pecuária. Os povos indígenas e seus aliados em todo o mundo, incluindo a Survival, estão lutando lado a lado para impedir o genocídio indígena no Brasil.

Fiona Watson, da Survival International, disse hoje: “A história dos Xokleng mostra o quão absurdo é o marco temporal: por séculos, povos indígenas foram expulsos de suas terras, “caçados” e assassinados no Brasil. Aqueles que exigem que os indígenas deveriam estar vivendo em suas terras em 5 de outubro de 1988 para ter direito a elas estão negando a história e perpetuando o genocídio em pleno século 21.”

Nota aos editores:

- Mais informações sobre os Xokleng e sua história podem ser encontradas aqui.

- O caso a ser julgado pelo STF se refere apenas ao território indígena Xokleng Ibirama La Klãnõ. Existem outras comunidades Xokleng no sul do país.

Compartilhe