Escolas-fábrica

A destruição dos povos indígenas em nome da educação

Eles tiraram as crianças da terra para tirar a terra das crianças
Maskwasis Boysis, Cree, Canadá
A identificação de valas comuns de crianças indígenas no Canadá e o início de investigações semelhantes em locais de sepultamento nos Estados Unidos expuseram os impactos devastadores das escolas que visavam retirar a identidade indígena das crianças, doutrinando-as para se adaptarem à sociedade dominante e, assim, facilitar o roubo das terras de seus povos. Essas escolas deixaram um legado devastador.

Atualmente, cerca de dois milhões de crianças indígenas do mundo todo frequentam escolas-fábrica – que têm objetivos semelhantes: apagar os modos de vida indígenas e permitir a apropriação de suas terras e recursos, com um custo terrível para crianças, famílias e povos indígenas.

A educação de povos indígenas deve estar sob o controle deles mesmos; ela deve ter raízes em sua própria terra, língua e cultura, reforçando o orgulho de ser quem são e de seus povos. Mas poucos podem escolher essa educação para seus filhos. É hora de mudar isso.

Ajude-nos a devolver a educação dos povos indígenas ao controle deles próprios.


"Nossos costumes e rituais - isso é nossa educação"

Escolas-fábrica consideram “errado” ser indígena


A “educação” que elas promovem tem como objetivo “corrigir” isso. Escolas-fábrica alegam dar às crianças indígenas os meios necessários para que elas tenham “sucesso” na sociedade dominante, mas a história mostra que essas escolas-fábrica destroem vidas, traumatizando crianças, suas famílias e suas comunidades por gerações.

Crianças num internato indígena para 27.000 alunos, aberto em 1993. © KISS

Escola Industrial Indígena Carlisle (Carlisle Indian Industrial School), na Pensilvânia, Estados Unidos. c1900 © Cumberland County Historical Society

A história das escolas-fábrica

A identificação de centenas de valas comuns em terrenos de escolas residenciais no Canadá e nos Estados Unidos mostrou o trauma inimaginável que esse sistema educacional causou às crianças e famílias indígenas.

Essa escolarização deixou um legado extremamente doloroso em muitas comunidades, com altos índices de depressão, suicídio e abuso de substâncias, e contribuiu para os índices desproporcionalmente altos de assassinatos e encarceramento de mulheres e homens indígenas.

A Comissão de Verdade e Reconciliação do Canadá concluiu que: “O governo canadense seguiu esta política de genocídio cultural porque desejava … obter controle sobre as terras e recursos [indígenas].”

A Coalizão Nacional de Nativos Americanos pela Cura da Experiência dos Internatos está pedindo investigações completas sobre as 367 escolas que visavam integrar à força as crianças indígenas à sociedade estadunidense e sobre as mortes ainda não documentadas que ocorreram nesses locais.

As escolas-fábrica hoje

Nós estimamos que dois milhões de crianças de comunidades indígenas são “educadas” atualmente em escolas-fábrica em diversas partes do mundo.

p. Nessas escolas, crianças têm laços cortados com seus lares, famílias, línguas e culturas, e muitas vezes são sujeitas a abuso emocional, físico e sexual. Somente no estado indiano de Maharashtra, por exemplo, quase 1.500 crianças indígenas morreram em escolas-residência entre 2001 e 2016, incluindo mais de 30 casos de suicídio.

Como nos Estados Unidos e Canadá, um dos principais objetivos desse tipo de escolarização é romper a conexão das crianças indígenas com seu território, para tornar mais fácil para governos e corporações tomarem suas terras e recursos.

Transformando “passivos” em “ativos”

Norieen Yaakob, do povo Temiar da Malásia, quase não sobreviveu ao fugir de uma escola-residência. Ela foi encontrada 47 dias depois da fuga; cinco outras crianças morreram. © Survival
As escolas-fábrica existem para transformar crianças de comunidades indígenas – que têm as suas próprias línguas e culturas – em “trabalhadores do futuro” complacentes com a economia tradicional. A maior escola-fábrica do mundo afirma que transforma “dependentes de recursos públicos em contribuintes; passivos em ativos”.

Grandes corporações e indústrias extrativistas muitas vezes patrocinam as escolas-fábrica. Essas companhias pretendem lucrar a partir da exploração de terras, da mão-de-obra e dos recursos das comunidades indígenas; as escolas-fábrica são uma forma barata para assegurar esse objetivo em longo prazo.

A destruição de comunidades e línguas

Escolas-fábrica ensinam as crianças que as crenças e o conhecimento de seus povos são “ultrapassados”, inferiores, ou errados.

Milhões de crianças de comunidades indígenas são proibidas ou desencorajadas a usar a sua língua-mãe na escola. Isso ameaça a sobrevivência das línguas indígenas. A principal causa da extinção de idiomas é quando as crianças param de falar a língua de seus pais. É um desastre, já que as línguas indígenas são fundamentais para entender o mundo em que vivemos, quem nós realmente somos e o que os seres humanos são capazes de fazer.

Indústrias extrativistas na Índia e no México financiam escolas que ensinam crianças a aceitar a mineração e a rejeitar a conexão de seu povo com a terra, ligação vista como “primitiva”.

Governos usam a educação como uma ferramenta para estimular patriotismo e suprimir movimentos de independência. É o caso de Papua Ocidental, onde o governo da Indonésia está tentando transformar os indígenas em indonésios, reprimindo dissidentes com violência.

A conversão religiosa é outro fator, incluindo escolas missionárias islâmicas em Bangladesh e Indonésia, escolas missionárias residenciais cristãs na América do Sul e Fundamentalistas Hindus na Índia, que visam converter crianças de comunidades indígenas a partir da escolarização. Em todos esses exemplos, o objetivo não é apenas mudar as crenças da criança, mas também impor uma mudança cultural profunda à comunidade na qual ela está inserida.
Meninos de Papua confinados num internato islâmico em Jakarta. © Michael Bachelard / Survival

Uma perda para toda a humanidade

O desprezo pelo conhecimento e pela cultura indígena acaba destruindo povos indígenas, suas culturas e conhecimento únicos.

Em casa, crianças de comunidades indígenas recebem conhecimento e desenvolvem habilidades complexas e sofisticadas que as permitem viver em suas terras e a cuidar delas para o futuro. Os povos indígenas são os melhores guardiões da natureza. Milhares de anos de sabedoria, compreensão e percepção coletiva podem ser perdidos em apenas uma geração quando as crianças são obrigadas a frequentar escolas-fábrica, separadas de suas terras, línguas e modos de vida.
Os Enawenê Nawê do Brasil controlam sua educação, que tem como raiz a sua cultura e língua. © Survival International

Qual é a solução?

As comunidades indígenas que têm controle sobre seus próprios sistemas de escolarização – dentro suas terras e sob seus termos – as crianças e famílias estão prosperando, e as línguas e culturas indígenas estão sendo revitalizadas.

A resposta é simples: a educação indígena deve estar sob controle indígena.


Crianças Orang Rimba aprendendo com Sokola Rimba (A Escola da Selva), na Indonésia © Aulia Erlangga

Uma criança Baka estudando com o projeto de educação indígena Dois Coelhos, em Camarões © Sarah Strader/chasingtworabbits.org

O que a Survival está fazendo?

Chamando atenção para o problema

Nós precisamos que o mundo saiba da extensão e do impacto das escolas-fábrica para que todos possam ajudar a acabar com esse sistema cruel.


Trabalhando pela mudança

Nós estamos pressionando governos e a ONU a exigirem que essas escolas sejam fechadas.

Promovendo uma solução

Nós estamos coletando exemplos positivos de escolas e programas educacionais que incentivam crianças de comunidades indígenas a aprenderem em suas terras, perto de suas famílias e em suas próprias línguas. Nós estamos compartilhando esses exemplos para gerar esperança e inspirar mudança.

O que você pode fazer?

Nós não vamos desistir até que cada comunidade indígena seja capaz de escolher um modelo de educação para as suas crianças que respeite suas famílias, cultura, língua e conexão com a terra – e que tenha mais a oferecer às crianças do que a tomar delas.

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